Manu Dibango (1933-2020),o rei leão do afro-futurismo

Tudo começou na África.

Está lá, como um código aberto, inserido no maior colosso do pop, o álbum “Thriller” (1982), de Michael Jackson. ” Mama say mama sah ma-ma-koo-sah”, canta Jackson na parte final de “Wanna be startin’ somethin'”. A origem era clara: o refrão, adaptado do dialeto “duala”, vinha de “Soul makossa” (1972), criação de Manu Dibango, saxofonista da República dos Camarões, morto nesta terça-feira, de Coronavírus, em Paris. Mesmo assim, o “empréstimo” sem o consentimento do autor custou a Jackson um processo, acertado posteriormente entre as partes. Se todos os outros tivessem seguido o mesmo caminho, Dibango teria ficado quaquilionário. Segundo o site “who sampled”, que contabiliza o número de samples de determinadas canções, “Soul makossa” foi usada por 58 artistas diferentes (entre eles, Rihanna, que ficou devendo um acerto). Exploração no continente africano, longa história.

Tornada conhecida primeiramente pelas mãos do lendário DJ David Mancuso, em suas festas em Nova York no começo dos anos 70, “Soul makossa” é considerada também uma das pedras fundamentais da disco music. Seu groove único, irresistivelmente funky, com um toque de jazz fora dos padrões para a época, serviu como passaporte para que o trabalho de Dibango viajasse pelo mundo, mostrando – ao lado de outros gigantes como Fela Kuti e Hugh Masekela – a potência das músicas do continente africano.

Filho de um funcionário público e de uma estilista, Dibango – sempre de óculos escuros e impecavelmente vestido – soube aproveitar aquele impulso inicial e nunca se permitiu sair de moda. Radicado em Paris, fez incursões pela Jamaica (no álbum “Gone clear”, ao lado de Sly & Robbie), mergulhou no som de Nova Orleans (“Hommage à la Nouvelle Orléans”) e produziu diversas porções de afro-futurismo (“Polysonik”, “Wakafrika” e o estrondoso “Language barrier”, novamente com Sly & Robbie).

Esteve no Brasil diversas vezes, influenciando cabeças e cinturas, da Banda Black Rio a Gilberto Gil e Chico Science (colecionadores vão lembrar que ele chegou a ser regravado pelo maestro Erlon Chaves e sua Banda Veneno em 1973). Na última passagem por aqui, durante os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, tocou com Arthur Maia e Hermeto Paschoal, e passeou pelas ruas de Madureira. Na ocasião, aos 82 anos, conversou com Silvio Essinger, de “O Globo”, esbanjando modéstia:

– Tive muita sorte de ter um hit, porque não é você que decide se vai ter um hit, é o público. São as pessoas que decidem, ao mesmo tempo, em diferentes lugares do mundo. É magia.

Foto: AFP