Techno militante embala o despertar do Chile

A compilação ‘Despertar: Chile’ chama a atenção para os protestos que vêm abalando o país

A letra de “Kingston advice” (“Nesses dias, a batida é militante/Vai haver confronto/Não há alternativa”), lançada pelo The Clash em 1980, no álbum “Sandinista”, segue incrivelmente atual, quase 40 anos depois, ecoando na recém-lançada compilação “Despertar: Chile”. O álbum independente, de 51 faixas, busca chamar atenção, “urgente”, para o que acontece nas ruas do país, que seguem pulsando, um mês após o início dos protestos que explodiram como um vulcão, liberando uma pressão social que vinha se acumulando há tempos na região.

A batida do disco – techno-militante – reage também contra a repressão do governo de Sebastián Piñera, que, despejou fogo contra os manifestantes à frente dos maiores protestos no país desde o fim da ditadura militar, em 1990. Vinte pessoas foram mortas e cerca de 2.500 ficaram feridas desde o início do conflito, sendo que, de acordo com a Anistia Internacional e o Colégio Médico do Chile, mais de 200 perderam a visão por causa dos tiros de espingardas de pressão feitos pelos carabineros (a polícia nacional chilena).

– Esse disco veio da necessidade de fazer alguma coisa em relação ao que estava e ainda está acontecendo no país – conta a DJ e produtora chilena Valesuchi (Valentina Montalvo), radicada no Brasil (Rio), uma das responsáveis pelo álbum. – É muito angustiante assistir de longe o que está rolando no Chile. Teve um momento em que minha vida parou, eu só ficava na televisão e no Twitter conversando com meus amigos sobre a repressão aos protestos.

Do papo com um desses amigos, o também DJ e produtor (argentino) NGLY, surgiu a ideia da compilação, que traz faixas de variados BPMs e de variadas procedências, não apenas feitas no Chile, como as assinadas pelo franco-equatoriano Nicola Cruz (a houseira “Fauna extinta”) e pela brasileira Badsista (“Não podia recusar um convite desses, ainda mais partindo da Valesuchi”, diz ela sobre a participação com a enviezada “Chamas”).

– Foi muito bacana o jeito como as pessoas se envolveram no projeto, não apenas mandando as faixas, mas também se oferecendo para a masterização e para o projeto gráfico – diz Valesuchi.

A artista chilena ressalta a inusitada força de um projeto de grooves eletrônicos instrumentais e ainda assim – ou mesmo assim – militantes. De fato, “Despertar: Chile”, com seus beats de reação em massa, é a trilha-sonora perfeita para protestos marcados pelo uso de lasers pelos manifestantes, usados para confundir a polícia, fazendo com que as ruas de Santiago pareçam uma enorme rave de guerrilha

– Na América Latina, a canção de protesto está, historicamente, associada ao formato de voz e violão ou guitarra – lembra ela. – Mas acho que há uma nova consciência sobre a energia que esses sons eletrônicos trazem e a forma como nos relacionamos com eles.

Foto: AFP