Magia do deserto e outras ondas fortalecem Mimo 2019

O festival comandado por Lu Araújo (re)começa hoje em SP e depois vem para o Rio

Não precisa receber o Cacique Cobra Coral para prever um clima de mormaço no Festival Mimo 2019, que chega hoje em São Paulo, pela primeira vez, e fica até domingo, e depois atinge o Rio a partir do próximo dia 29, ficando até 1/12. O bafo quente é cortesia da passagem de Noura Mint Seymali – cantora, compositora e instrumentista da Mauritânia – com seu som hipnótico e caloroso, carregado da mesma energia do grupo Tinariwen, do vizinho Mali, e seu desert blues (Não por acaso, ela participa do mais recente álbum dos músicos tuaregues, “Amadjar”).

A cantora Noura Mint Seymali, da Mauritânia, um dos destaques do festival

– Fui apresentada ao som dela há uns anos e fiquei apaixonada – diz, por telefone, Lu Araújo, idealizadora e curadora do festival, que vai ter também Amadou & Mariam (Mali), Marta Pereira da Costa (Portugal), Xenia França, Feminine Hi-Fi (o sound-system paulistano tocado por mulheres), Egberto Gismonti e Jards Macalé , entre outros, além de filmes, debates e workshops. – A Noura traz muitas Áfricas no som dela.

Uma pergunta que tem sido muito feita nos últimos tempos: como é manter um festival como o Mimo nesse sombrio momento em que vivemos, com  outros eventos de igual importância sofrendo para se manter de pé e com a cultura e seus artistas sendo demonizados?

Lu Araújo – Acho que (fazer um festival) é um ato heroico porque, de fato, não tem sido nada fácil com essa demonização da classe artística, esse desprezo pela cultura, essa perseguição a quem trabalha com ela. Isso, de alguma forma, desestruturou toda uma cadeia da qual um festival como o Mimi depende para existir. A gente observa o outro lado dessa estrutura também vivendo dramas internos, com muitas empresas confusas sobre como patrocinar, como usar a lei. Nunca tive uma captação tão ínfima. Mas ao mesmo tempo, tem uma coisa linda, que é ver essas dificuldades levarem a novas forma de fazer, a novas alianças, vejo novas pessoas se juntando ao processo, cada uma colaborando como pode. Uma sensação de que temos que resistir. É a arte por amor. E é isso que está me incentivando a ir em frente. Esse ano, por exemplo, temos uma programação essencialmente de música negra, com uma forte presença feminina. É uma energia importante nesse momento.

Você é uma mulher à frente de um dos principais festivais de música e cultura do país. Ao longo desses mais de 15 anos do Mimo, em que a valorização da mulher no mercado de trabalho tem sido muito discutida, entre outras questões, o que mudou na sua percepção do seu papel e também na forma como ele é percebido pelos outros?

LA – Não tive uma escola para fazer o que faço. Fui criada na rua, na boemia, minha bagagem foi a estrada, excursionando com músicos. Hoje, valorizo bastante isso. Mas nunca foi fácil. Sentia que muitos homens não se conformavam em conversar comigo de igual para igual. No começo, tinha que parecer dura pra garantir meu espaço. Mas já chorei em meio a reuniões, às vezes a pressão é muito grande e sou tomada por uma emoção que não consigo controlar. Sobre o outro olhar, percebo que começaram a ter mais atenção ao fato de ser uma mulher na linha de frente, esse detalhe. Aprenderam a respeitar. não apenas por eu ser mulher, mas por ser mulher e ter valores, ser ética, ser profissional.

Glitch a partir de foto de divulgação

Noura Mint Seymali : foto de Daryan Dornelles