Poeira e distorção ‘on the road´com Lê Almeida

Por Lê Almeida

Lê (á esquerda) tocando com o Oruã em Atlanta, EUA

Sempre soube que seria difícil sair do país por condições financeiras, mas por conexões musicais e artísticas isso poderia acontecer. A IFB Records, da Flórida, por exemplo, lança os meus discos em LP e distribui pelos Estados Unidos. Antes dela, selos como Lost Sound Tapes e Jigsaw Records, de Seattle, Rok Lok Records, de Nova York, e Fleeting Youth Records, de Austin, distribuíram os discos da Transfusão Noise Records ou incluíram faixas em compilações. Então, essa porta sempre me pareceu real. E foi o que aconteceu. Depois de tocar pelos Estados Unidos e Europa no começo do ano com o Built To Spill, acabamos de voltar de mais uma turnê pelos Estados Unidos com o Oruã ao lado do BTS e em setembro já vamos começar outra turnê pelo país, dessa vez só com o BTS. Apesar de continuar com os pés no chão, tá sendo um sonho tudo isso. 

Nossas explorações musicais avançam a cada dia e os shows lá fora, até agora, têm tido momentos mágicos.  Dessa vez, fizemos, no total, 34 shows nos EUA, sendo que o Oruã só não tocou em um deles. Passado o estranhamento inicial, sentimos um calor de volta muito grande quando mencionamos que somos do Brasil. A musicalidade do nosso país é, de fato, muito respeitada e admirada no exterior.Desde nossa primeira vinda pros EUA, deu pra sentir que o Doug (Martsch, líder do Built To Spill) se preocupa muito com as bandas que abrem os shows dele.  Fizemos ótimos amigos nos EUA e na Europa. E nessa última turnê, reencontramos amigos como o Jordan Minkoff, do grupo Slam Dunk, abriu alguns shows com o seu projeto solo, Wetface.


A atração principal: Built to Spill (Doug Martsch à frente, Lê no fundo)   


Ficamos muito amigos também da Clarke Howell, do Clarke and Himselfs que abriu algumas noites e também viajou durante um bom tempo com a gente. Durante uma passagem de som dela, ouvi um cover de “Hammer I miss you”, de Jay Reatard, e contamos que o Trempes (projeto do João Cases) também já tinha feito um cover dessa faixa. Acabou que fizemos esse cover juntos em algumas noites. Espero um dia podermos gravar essa versão.

 Muitas das cidades que passamos, eu só conhecia de filmes ou de leitura, como Memphis, Chicago, Detroit e Fargo. Nesta última, conheci uma lenda do rock, o Greg Norton, que era do Hüsker Dü. Fiquei nervoso, sempre fui fã do Hüsker Dü, que ouvi pela primeira vez numa fitinha cassete, toda abafada, do álbum “Flip your wig”. Passei anos ouvindo sem  saber como era a cara das pessoas que tocavam, até assistir um clipe do Hüsker Dü na MTV e fiquei chocado com a guitarra rabo de peixe do Bob Mould, com o batera Grant Hart cantando e com o bigode extremamente bonito do Norton. Fiquei admirado como mesmo com o passar de tantos anos, ele ainda tem o mesmo pique, os mesmos pulos da época do Hüsker Dü , sem contar que a banda em que ele toca hoje em dia, Porcupine, é muito boa. 


Parada obrigatória: o ônibus da turnê, também residência e dormitório dos músicos 

Com o Built to Spill, a gente não ensaia na estrada. Passamos um tempo fazendo isso no Rio, no começo do ano, no Escritório, com o Doug. Nessa época, fizemos um show na Arena Madureira que teve um valor emocional muito grande pra mim e pros meus amigos. Nos EUA, nossa rotina se passava toda em um ônibus que carregava o equipamento e  onde todos da nossa equipe dormiam e moravam. Todos os dias, a gente chegava na casa de show, montava todo o equipamento, passava o som e poucas horas depois já tocava. A gente fazia shows de 30m a 45m com o Oruã, rolava um intervalo de uns 20m e logo depois fazíamos uns 90m de show com Built To Spill. Depois, tínhamos um tempo livre que não chegava a 1h e tínhamos que desmontar tudo e levar para o ônibus. Dormíamos parados em frente à casa de show ou viajando na madruga mesmo. Muitas vezes, acordávamos na casa de shows na próxima cidade.

Mês passado,  lançamos “Romã”, segundo disco do Oruã, e o que chega mais perto do que é a gente ao vivo. Antes de viajar, a gente fez uma tiragem de 100 cópias em CD que não chegaram nem na metade da tour. Os vinis duplos do primeiro disco a gente conseguiu algumas caixas que também acabaram e nós já recebemos novas da IFB, que chegavam direto em algumas casas de show em que iriamos tocar. Dessas caixas novas, recebemos o compacto do EP “Tudo Posso”, que tem uma capa caprichada, feita em silk. Trouxemos uma quantidade desse vinil pro Brasil, enquanto uma tiragem especial , em vinil branco, do “Romã” esta sendo produzida.

Logo depois do lançamento do disco, coincidiu de sair nossa session na rádio KEXP, de Seattle, que gravamos na primeira ida aos EUA. O som estava primoroso e a vibe de todos na rádio foi incrível. Tudo soava como arte naquele ambiente. Acho que a session deixa claro essa onda boa.

Como disse, tá sendo um sonho tudo isso. E a cada dia, o sentimento de plenitude se renova. Sou muito grato por tudo e acho que essas coisas estão acontecendo num momento muito bom de maturidade, não só musical mas também espiritual e pessoal.

Fotos de Reinitin_podcast (Oruâ), Chistopher Goyette (Built To Spill) e Lê Almeida (demais)