Gabriel Muzak navega a onda afro em Lisboa

formado por músicos brasileiros e portugueses
Gabriel Muzak partiu e nunca mais voltou. Em 2016, o cantor, compositor e guitarrista – que tem dois discos solo lançados, além de uma compilação de trilhas-sonoras – içou as velas e tocou sua caravela do Rio rumo à Lisboa. Na capital portuguesa, onde se estabeleceu, Muzak, ex-integrante dos grupos Funk Fuckers, Seletores de Frequência e Rockz, não demorou muito a arrumar companhia. Desde o ano passado, ele faz parte do grupo Carapaus Afrobeat, formado por músicos brasileiros e portugueses, que dizem curtir Tony Allen, James Brown, Elza Soares, Ali Farka Toure, Moacir Santos, Mulatu Astatke e Miles Davis. Com essa turma, Muzak lançou,
no começo deste ano, o álbum “Night fever”. Com essa turma, ele toca a renovada vida além-mar.
– A vida aqui em Portugal tá ótima, da mesma maneira que estava no Brasil. Ou seja, a parte que depende da gente tá sempre sendo trabalhada. A parte que depende de políticos, bancos, corporações, autoridades, sempre tem umas cagadas incorrigíveis e isso não tem remédio – conta Muzak, que faz show com os Carapaus na próxima sexta-feira em Lisboa.
Como tem sido a vida aí, como brasileiro e como músico?
Gabriel Muzak – Portugal é um país que está em um ótimo momento econômico e social, governado pela esquerda, com amplo apoio popular, mas é um país cíclico, então o povo é super escaldado com essa historinha de milagre econômico. Na prática, todo mundo vê os preços subindo, vê a gentrificação, vê os gringos comprando vários imóveis e moradores tendo que vazar da casa onde moraram toda vida. Também tem preconceito, racismo, machismo, tem burocracia, tem corrupção, igualzinho ao Brasil, só que tudo em uma escala bem menor que o Brasil, aproximadamente um centésimo da área de terra e 5% da população, se é que eu fiz certo essas contas. Então, ainda é, imagino, um pouquinho mais fácil de entender, agir e se organizar. Sobre ser ou estar imigrante e ser músico, não consigo dissociar uma da outra. Não sei o que é ser só brasileiro ou só músico. Sou músico e brasileiro, tenho a profissão mais bem conceituada que um brasileiro pode ter no planeta. Ano passado, fui ao Marrocos e quando falavam árabe comigo e viam que eu não entendia, queriam saber de onde eu era. Quando eu falava que era do Brasil, respondiam “Brasil! Samba!” Algumas vezes aconteceu exatamente igual, não falavam de futebol, nem de petróleo, de carne, nióbio, ouro ou soja. Falavam da nossa música. Isso tem um valor altíssimo, incomparável a qualquer commoditie insustentável. E aqui em Portugal não é diferente. Os músicos brasileiros são muito bem conceituados.
De que forma surgiu esse encontro dos Carapaus?
Muzak – O Zé Vito, que tocou muitos anos na Abayomy Afrobeat Orquestra e que eu já conhecia do Rio, foi quem juntou essa banda maravilhosa. Durante uma gravação aqui em Lisboa, ele me contou que estava montando uma banda de afrobeat, só com músico fera, para o Fela Day do ano passado (a data, em outubro, celebra o nascimento de Fela Kuti, ícone do gênero) e me chamou para fazer parte. Fiquei muito animado e topei. Ensaiamos durante três dias. No dia do show, havia previsão de um furacão e os bombeiros enviaram um alerta, pedindo pra ninguém sair de casa. A gente já tava no local e ficou meio borocoxô, pensando que ia ser um fiasco. Mas que nada! Chegou a ter ventos fortes, quedas de árvores na cidade, mas não chegou a ter furacão. E a casa lotou. O show foi lindo. Saindo de lá, já botei pilha de a gente compor um repertório nosso, criar a nossa história. Foi assim que surgiu “Night fever”, gravado dois meses após o primeiro show da banda.
Como vocês distribuem as funções e resolvem a contribuição de cada um?
Muzak – Basicamente, quem tem tempo e energia, chega junto e vai botando uns tijolinhos na construção. Tem muita gente na banda que toca, estuda e ainda trabalha com outros trampos, então o barco tem que ir seguindo com quantos integrantes tiver pra quando o grupo inteiro se encontrar de novo sempre existir uma evolução.
Vocês gravaram “Night fever” juntos ao vivo no estúdio?
Muzak – Não foi todo mundo junto, mas em blocos. Foram seções rítmicas, harmônicas e de sopros. A gente gravou em um período de oito horas as baterias, percussões e baixos das músicas. Depois alugamos mais meio período de estúdio pra gravar as guitarras e teclados e mais meio período pros metais. Foi preciso muito café, foco e vontade de fazer um som potente e novo. Acho que está funcionando assim.
Você pensa em voltar ao Brasil em breve ou esse tempo em Lisboa vai ser longo?
Muzak – Em breve não devo voltar, mas não faço ideia de quanto tempo vou ficar por aqui ou pra onde vou depois daqui. Meu primeiro disco, lançado em 2002, se chama “Bossa nômade”. Nomadismo é um assunto sempre presente na minha cabeça. Coisas relacionadas à transitoriedade da vida e aos seus momentos efêmeros. Ninguém é igual todos os dias. Um dia você acorda querendo ser água ou vento. Acho que estamos em uma hora boa pra cogitar mudanças de rotas.
Foto de divulgação