O balanço interminável dos riddims sacode o Novas Frequências

Yellow P. conduzindo o Dubversão Sistema de Som: o DJ vai montar uma instalação no festival com versões de “Real rock”

Na Jamaica, balanço bom é balanço vivo. É balanço que nunca morre, que sempre se recicla, como vai provar, de hoje até domingo, no MAR (Museu de Arte do Rio), a instalação “Real rock”, destaque da programação de 2018 do festival Novas Frequências. Ela pega o vai- e-vem dos riddims – ritmos, no patois local –, uma das incríveis invenções da ilha do reggae, patrimônio gasoso, digo imaterial da humanidade, como declarou a UNESCO semana passada, uns bons 50 anos depois de o gênero ter vindo ao mundo, rebelde pela própria natureza.

Grossíssimo modo, riddim é uma base musical que ficou tão boa, mas tão boa que ninguém admite que ela pare de tocar, nem o público, nem o produtor (que costuma ficar com os royalties). E tome versão atrás de versão – com outro vocalista, com outra cantora, com um deejay (como os jamaicanos chamam os MCs), instrumental etc. Mãe de todos os riddims, “Real rock” foi lançada em 1968 pelo grupo residente do lendário Studio One, do igualmente mítico produtor Coxsone Dodd, tendo como marca registrada uma bojuda linha de baixo, um afiado teclado e um envolvente trombone.

E como se tivesse sido beijada pelo vampiro Lestat, ela nunca mais envelheceu e vive circulando por aí até hoje, meio século depois, mantida viva por interpretações de Augustus Pablo,  Junior Murvin, Dennis Brown, Michigan & Smiley, Johnny Osbourne e até o The Clash, que a reciclou em “Armagideon time”, incluída no militante álbum “Sandinista”, de 1980. A onda de “Real rock” bateu bem e virou uma estética a partir dos anos 80, com o surgimento do dancehall e a popularização dos sons digitais. Gravadoras especializadas em reggae como Greensleeves, Jet Star e VP Records passaram a lançar compilações de riddims populares, prática que segue firme até hoje. E a fila dos riddims não parou mais de andar: “Punanny”, “Stalag”, “Taxi”, “Cuss cuss”, “Satta massagana”, “Bun bun”, “Bellyas”, “Jumbie”, “Tunda klap”, “Juice” etc etc etc.

– Riddims são um dos mandamentos do reggae. E a reciclagem é a palavra-chave para entendê-los – conta o DJ e produtor Yellow P., coração pulsante do Dubversão Sistema de Som, de São Paulo. – “Real rock” foi o riddim que mais marcou minha vida. Lembro de ter visto o filme “Ghost dog”, do Jim Jarmush, em 1999, e a trilha tinha “Armagideon time”, com o Willie Willians, que é uma das minhas músicas preferidas da história do reggae. Foi um dos primeiros discos que comprei e ele ainda continua na minha sessão.

Com o apoio do Dubversão, uma das equipes mais atuantes de SP, Yellow P. vai montar a instalação no MAR – que pode ser visitada entre 10h e 17h – em cima do ritmo original, com o complemento de centenas de versões de “Real rock” (existem mais de 400 delas). A execução contínua vai dar a impressão de que a música nunca acaba, coincidindo com o tema do festival este ano: o infinito.

– Trouxe umas vinte versões de “Real rock” em vinil, baixamos umas 200 e ainda criamos duas inéditas – explica ele. – Vamos reciclar esse material todo dia. A performance nunca vai ser a mesma. Vai ser imprevisível.