Thundercat faz o Circo Voador ficar altinho

Thundercat no ataque: impávido e infalível como Jean-Claude Van Damme. Mas sem o espacate e a canastrice.
O aviso padrão, dado pela voz em off, de que fotos estavam proibidas durante a apresentação de Thundercat no Circo Voador soou, naturalmente, sem o menor sentido, como se fosse o eco de um mundo que não existe mais. A frase, inadvertidamente cômica, acabou servindo como contraste para a entrada em cena de um artista que trafega bem longe dos lugares comuns. E quando as câmeras dos celulares começaram a trabalhar, lá estava ele, em cima do palco, como se tivesse saído da tela de um videogame: de quimono azul marinho, boné vermelho, combinando com as dreads, o tênis All-Star e a bermuda de kickboxer com desenhos de dragão, todos da mesma cor. Só faltou o grito do Mortal Kombat. Fight!
Em vez de uma espada justiceira, o samurai negro de Los Angeles – parceiro de Flying Lotus, Kendrick Lamar e Erykah Badu – pegou seu baixo Ibanez de seis cordas e começou o ataque que deixaria um saldo de inúmeros queixos caídos e corpos cambaleantes no final. Thundercat estava ali para defender “Drunk”, seu mais recente álbum, e começou a fazer isso com uma sequência de golpes rápidos: “Rabbot Ho” e “Captain Stupido”, a mesma que abre o disco. Acompanhado pelo tecladista Dennis Hamm e pelo baterista Justin Brown, ele mostrou, já de cara, ser impávido e infalível como Jean-Claude Van Damme. Só que no lugar de saltos giratórios e espacates coreografados, seu orgânico arsenal inclui soul, jazz fusion e hip-hop, levemente entortados. E aranhas nos dedos. Muitas aranhas.

Para defender o álbum “Drunk”, Thundercat usou aranhas nos dedos e Isley Brothers no coração
Armado e gentil, Thundercat percorreu as faixas do disco com momentos de doçura, graças ao seu falsete framboesa, como na champanhota “Bus in the street”, e de alta energia, graças à sua estupenda habilidade no instrumento. Acompanhá-lo em momentos como “Uh uh”, recheado de furiosos improvisos instrumentais, foi como entrar num carrinho de montanha-russa, fazer dezenas de inversões e voltar ao normal, sorrindo amarelo, emocionado, quando ele e a banda retomaram o tema central. Em outros momentos, como no balanço chapado de “Friend zone” e “Them changes” (que tem o DNA de “Footsteps in the dark”, dos divinos Isley Brothers), a sensação era de estar numa pista de dança ao lado de andróides de Cheech & Chong. Teve também o truque da levitação em massa, ao som de “MmmHmm”, sua cósmica versão para a faixa gravada no álbum “Cosmogramma”, de Flying Lotus.
No final, após saudações a Tóquio e declarações de amor a videogames, Thundercat saiu de cena ao som da melancólica “DUI” (de “Driving under influence”), abraçado numa camiseta com o desenho de um gatinho, jogada por alguém da platéia. Na volta para casa, felizmente nenhuma blitz da Lei Seca no caminho. Se rolasse, o diagnóstico seria uma fatality por embriaguez musical. Fiquei bem “Drunk”.
(Fotos de Joca Vidal)