Cuba e Jamaica juntas para bailar

Modo suave: Robbie Shakespeare e Sly Dunbar em Cuba durante as gravações do álbum “Havana meets Kingston”
Elas são livres e revolucionárias, apesar de tudo. Fumam charutos variados e bebem cerveja e rum. Uma aparece nas fotos de dreads, a outra posa de chapéu Fedora. As duas são pequenas, cercadas de águas azul-celeste por todos os lados e fazem um barulho incrível. Apesar de separadas por apenas 382 quilômetros de distância, Jamaica e Cuba se unem como nunca no álbum “Havana meets Kingston”, lançado recentemente pelo selo VP Records. Idealizado pelo produtor australiano Mista Savana, ele reúne estrelas do reggae e da salsa – e todos os ritmos intermediários produzidos nas duas ilhas, do dancehall à rumba – em 15 eletrizantes faixas.
Gravado no estúdio Egrem, em Havana (imortalizado pelo filme “Buena Vista Social Club”, de Win Wenders), reunindo mais de 60 artistas dos dois países (entre eles, Sly & Robbie, Sizzla, Ernest Ranglin, Barbarito Torres, Changuito e Rolando Luna, entre outros), “Havana meets Kingston” vai render também um documentário e uma sequência, previstos para o meio de 2018.
– Esse projeto é uma celebração da música e da cultura caribenha. Ele se tornou muito maior do que eu imaginava – conta Savana, que foi interrogado pelo site e liberado em seguida.
Qual foi o momento “eureka” desse projeto? Quando você teve o estalo que deu origem a ele?
Savana – Fui para a Jamaica pela primeira vez em 2004, gravar sessões que resultariam no disco “Melbourne meets Kingston”, lançado em 2007. Após voltar várias vezes ao país, pensei que deveria ir também a Cuba, que é tão perto. Estava lá, em 2013, sentado em um café em Havana chamado Chanchurello. Ao fundo, tocava um disco de rumba, cheio de percussão. Comecei a sonhar como seria misturar as batidas da Jamaica com as batidas de Cuba. E descobri, para minha surpresa, que ninguém tinha feito isso antes. Foi aí que comecei a trabalhar para tornar aquele sonho em realidade.
Por que o estúdio Egrem, em Havana, foi escolhido para ser o centro das gravações?
Savana – O álbum “Buena Vista Social Club” foi o primeiro contato que tive com a música de Cuba. E fiquei fascinado. Depois vim saber que toda a ambiência do disco tinha a ver com o estúdio onde ele foi gravado. Então, quando começamos a planejar as gravações de “Havana meets Kingston”, o Egrem foi sempre a primeira escolha. Inicialmente, fomos informados que o espaço não estaria disponível, mas na última hora ele se abriu para nós e conseguimos gravar tudo lá.
Você diz que álbuns como “Kind of blue”, de Miles Davis, foram uma referência para “Havana meets Kingston”. Por quê?
Savana – Porque esse e outros discos de jazz dos anos 50 têm uma sonoridade fantástica, sem os truques digitais das gravações de hoje em dia. Queria, de alguma forma, reproduzir essa atmosfera. E o Egrem era o lugar perfeito para isso.
Como escolheu os artistas dos dois países que participariam do disco?
Savana – A lista inicial de artistas com os quais gostaríamos de trabalhar nem chegava perto dos mais de 60 nomes que conseguimos reunir. Acredito que isso aconteceu porque todos que souberam do projeto se animaram com ele e passaram a ideia adiante. Nunca imaginei, por exemplo, trabalhar com lendas como Ernest Ranglin e Barbarito Torres, do Buena Vista, e também conseguir trazer talentos da nova geração dos dois países para o álbum. E há muitos outros, que ainda não foram divulgados, que estão no segundo disco.
De que forma foram feitos os arranjos para o disco, de modo a unir as sonoridades de Jamaica e Cuba sem conflitos?
Savana – Fiz rascunhos de todas as canções, deixando os arranjos bem abertos. Dessa forma, os músicos poderiam respirar e se mover dentro deles, completando o trabalho como quisessem, acrescentando seu estilo e seu toque pessoal. E foi isso o que aconteceu, com todos trabalhando sem regras, sem conceitos rígidos. Meu único desejo era reunir o balanço dos soundsystems jamaicanos com a riqueza melódica do afro-jazz cubano. E o baixo de Robbie Shakespeare, que está presente em todo o disco, tornou isso possível. Ele foi uma espécie de âncora do projeto.
Como foi o relacionamento de cubanos e jamaicanos no estúdio? O idioma chegou a ser uma barreira?
Savana – Sem dúvida, o idioma era uma barreira a ser superada, já que poucos jamaicanos do grupo falavam espanhol e poucos cubanos falavam inglês. Mas bastou que todos se unissem no estúdio com seus instrumentos para que as coisas fluíssem. É um clichê dizer que a música é uma linguagem universal, mas, de fato, isso foi o que marcou o projeto. Por um breve momento, agora imortalizado, cubanos e jamaicanos falaram a mesma língua. E se deram muito bem. Basta ouvir o disco para perceber isso.
Divulgação/Lara Merrington