A cerimônia minimalista de William Basinski

Atração do Novas Frequências, Basinski vai apresentar um tributo a David Bowie, sexta, na Igreja do Carmo, na Lapa
William Basinski aparece do outro lado da linha do Skype. Ele está sentado numa mesa de bar ao ar livre em Los Angeles, bebendo uma Corona, cheio de estilo: chapéu Fedora de palha, cachecol enrolado no pescoço e óculos escuros. Apesar do jeitão rockstar, ele circula por uma área mais reservada. Atração do festival Novas Frequências, que começa hoje no Rio (a programação tá aqui), Basinski é um renomado artista visual e compositor minimalista norte-americano, súdito de John Cage e Brian Eno, conhecido por criações com fitas cassete, loops e efeitos. Seu trabalho mais elogiado é o celestial “The disintegration loops”, de 2002, feito a partir de rolos de fitas magnéticas se degradando enquanto rodavam num gravador digital. Finalizado enquanto o artista via, do terraço do seu prédio no Brooklyn, a fumaça saindo dos destroços do World Trade Center após os ataques de 11 de setembro de 2001, o álbum (com duas mântricas e melancólicas faixas, sendo a primeira com uma hora de duração) virou uma espécie de trilha-sonora daquele trágico dia.
De alguma forma, a morte também cerca o mais recente lançamento de Basinski, o álbum “A shadow in time”, que vai ser apresentado, ao vivo, em clima de missa, na próxima sexta, às 20h30m, na Igreja do Carmo, na Lapa. Afinal, suas duas faixas são dedicadas a “pessoas amadas, heróis que se foram”, como diz o autor. A faixa-título foi composta em homenagem ao artista chinês Deng Tai, que era assistente do namorado de Basinski, o artista plástico Jamie Elaine, e se matou, há dois anos, em Pequim (a foto da capa do álbum é de Tai). A outra faixa, “For David Robert Jones”, como indica o nome, foi feita para David Bowie, uma das maiores inspirações de Basinski. Os dois se conheceram, brevemente, em 1983, quando Basinski tocava saxofone (seu instrumento original) com a banda inglesa de rockabilly The Rockats, que abriu uma única apresentação de Bowie em Nova York, durante a turnê “Serious moonlight tour”.
– A data exata foi 19 de agosto de 1983. Não vou esquecer nunca. Eu tinha 25 anos e cruzei com Bowie no backstage. Ele passou por mim e elogiou o solo de sax que tinha feito numa música. Não lembro de ter dito uma palavra sequer. Apenas sorri – recorda Basinski.
A estreia de “A shadow in time” aconteceu numa igreja em Londres, há pouco mais de um ano. E agora você vai tocar novamente numa igreja, dessa vez no Rio. Acha esses lugares adequados para o seu som, que é bastante meditativo, quase espiritual?
Basinski – Sem dúvida, tocar em igrejas é uma coisa muito especial. Além da acústica, geralmente perfeita, esses ambientes passam uma sensação de resiliência e engrandecem qualquer trabalho musical. No meu caso, a combinação é perfeita.
Você lembra onde estava quando Bowie morreu?
Basinski – Claramente. Estava na fazendo da família de Jamie, no interior do Texas, em pleno cinturão bíblico. Ficamos atordoados. Passei o resto do dia ouvindo “Blackstar” e pensando nas pistas que ele tinha dado de que aquele era seu canto de despedida.
O convite para compor uma homenagem a ele partiu, na verdade, de uma galeria em Los Angeles, Volume. Como isso evoluiu até virar uma faixa no seu novo álbum?
Basinski – O convite da Volume foi para participar de uma exposição multimídia. Mas acabei indo bem além. Tenho um porão na minha casa repleto de caixas com fitas com gravações antigas. Justamente a que me interessou tinha sido mastigada e lambida pelo nosso gato gorducho. Mesmo assim, consegui cortar as partes danificadas e recuperar um trecho. Quando coloquei para rodar, senti que tinha achado algo mágico. Fui então adicionando camadas e mais camadas de sons e ruídos, inclusive um solo de sax, que me fez lembrar de “Subterraneans”, faixa que encerra “Low”. Foi quando vi que tinha, enfim, uma faixa completa, digna de ser tomada como uma homenagem a Bowie. No final, troquei o nome para David Robert Jones porque foi ele, afinal, quem nos deu David Bowie.
E o que sentiu quando reparou que tinha feito um álbum para duas pessoas mortas?
Basinski – Senti isso quando ouvi as duas faixas em sequência. Foi uma coisa que aconteceu naturalmente, não era essa a minha intenção inicial, nunca quis fazer algo fúnebre. Apenas queria transcender o que aconteceu com ambos.
Por conta disso, você se emociona quando toca “A shadow in time” ao vivo?
Basinski – Já aconteceu, já aconteceu. Normalmente, quando você vai se apresentar ao vivo, tem que se lidar com diversas questões técnicas para que tudo corra bem. E isso acaba levando sua concentração para um outro nível. Mas esse disco, em particular, é muito viajante e ocasionalmente sou carregado por ele e acabo me emocionando.
(Foto de Carys Huws/Fact Magazine)