Há 40 anos o selo inglês Greensleeves fala os idiomas do reggae

A capa de “Best dressed chicken in town”, de Dr. Alimantado: clássico lançado pela gravadora em 78, que seduziu os punks

Como sabem os bons alunos de geografia musical, o reggae não é só uma ilha. Cercado de variedade por todos os lados, ele extrapolou, faz tempo, os limites da Jamaica e a sombra de Bob Marley, indo se refrescar em outras freguesias, livre para crescer de forma independente. Curiosamente, foi em outras ilhas, bem mais frias – as do Reino Unido, a Inglaterra em particular, com sua ativa comunidade caribenha – que ele cresceu melhor e rendeu mais frutos. Na capital inglesa, sua batida vem pulsando, redondinha, na pilha de uma marca local: a gravadora Greensleeves, há quarenta anos sem descarregar.

O selo do logo verdinho vem rodando em discos – de vinil, historicamente – que viraram marcos na linha de tempo do gênero e lançaram estrelas cujo brilho nos ilumina até hoje. No canal esquerdo, por exemplo, coloque “Best dressed chicken in town”, de Dr. Alimantado, de 1978, que fez a cabeça do pistoleiro do sexo John Lydon, essa entidade punk. No canal direito, ponha “Original rockers”, de Augustus Pablo, template para a evolução dos atabaques eletrônicos. Misture os dois e você tem a malemolência do toast (o canto falado, parente do rap) e a essência do dub, ainda hoje dialogando entre si e em perfeita sintonia com as ruas.

Subversão do mais famoso tema folk britânico, datado de 1580, a Greensleeves engatinhou como uma loja de discos, no bairro de Ealing, em Londres, pelas mãos de Chris Cracknell (um ex-DJ, vindo da pacata Norfolk, a terra da mostarda inglesa) e Chris Sedgwick (um ex-contador de Dublin, Irlanda), ambos brancos de dar dó. Em meio à tensão social e racial dos primeiros anos do governo Thatcher (1979-1990), a loja virou gravadora, erguida pela cada vez maior procura de discos de reggae por um público misturado, que se identificava com o abusado e desafiador baticum jamaicano. “Punk e reggae eram sons rebeldes, por isso aconteceu essa sintonia”, disse Sedwick em entrevista ao jornal “Independent”.

Os fundadores Chris Cracknell e Chris Sedgwick (à direita), com o grupo Capital Letters, em 79

Pelas mangas da Greensleeves, saíram, por exemplo, cartas premiadas como “Police in helicopter”, hino cannábico de John Holt (1983), e “Under mi sleng teng”, de Wayne Smith (1985), célula original do reggae digital, que geraria o dancehall e o ragga (que curtimos tanto hoje no BaianaSystem). Pela verdinha, popularizaram-se, nos anos 70, o romântico lovers rock e, nos anos 2000, os rhythm albuns, discos com um ritmo só, cantado por vários MCs. Através dela – que foi comprada em 2008 pela VP Records, de Nova York – aplaudimos faladores como Yellowman e Capleton, e canarinhos como Barrington Levy e Frankie Paul.

Quase tanto quanto o som – resumido nesse afiado mix do Digitaldubs, que faz festa hoje celebrando a data – o visual dos lançamentos da gravadora fez bonito, tornando-se uma referência em design de capas, graças ao talento de Tony McDermott, que manja dos paranauê. Bom exemplo são as divertidas produções, em estilo cartoon, usadas nos discos do produtor Scientist, nos anos 80. Elas e tantas outras podem ser vistas no livro “Greensleeves – The first 100 covers”, lançado em 2010, numa parceria da gravadora com a marca de roupas Stussy.

Arte em estilo cartoon no disco do produtor Scientist nos anos 80: design que marcou época

Fotos de divulgação