A estranha dissolução de Chrysta Bell

Musa de David Lynch, a cantora, atriz e modelo acaba de lançar um disco com convidados do Portishead e Sunn O)))
Chrysta Bell veio do pó e ao pó voltará. Enquanto a hora não chega, ela vai se dissolvendo por aí. Musa de David Lynch, a cantora, atriz e modelo norte-americana (do Texas) acaba de lançar seu segundo álbum, “We dissolve”. O título parece bastante apropriado para alguém que herdou do pai um cemitério particular e é simpatizante do movimento da morte positiva (que, grosso modo, defende procedimentos naturalistas para velório e enterro).
Beleza de sonhos (estranhos), Chrysta pode ser vista na televisão como a agente Tammy Cooper, na entorpecente continuação de “Twin Peaks”, novamente dirigida por Lynch. É o mais novo capítulo da sua relação com o cultuado diretor, que conheceu em 1998, quando tinha 20 anos e cantava em uma big band de jazz (“Ela parecia uma alienígena, a mais linda de todas as alienígenas”, declarou ele na ocasião daquele contato imediato). O primeiro fruto, porém, só veio 14 anos depois, quando saiu o debut solo de Chrysta, o enevoado “This train”, escrito e produzido por Lynch (na época, bati um papo com ela). A parceria rendeu também um EP posterior, “Somewhere in the nowhere”, lançado ano passado.
“We dissolve” rompe, um pouco, essa atração entre os dois. Para gravar o disco, Chrysta deixou para trás a ensolarada Los Angeles – onde fez seus trabalhos anteriores – e rumou para a chuvosa Bristol, na Inglaterra, terra do Massive Attack, Tricky, Portishead e Reprazent. Em vez de Lynch, ela trabalhou com o produtor John Parish, parceiro da poderosa PJ Harvey. Não ficou só nisso: participaram do disco também figuras cascudas como o tecladista Geoff Downes (The Buggles, Yes, Asia) e os guitarristas Adrian Utley (Portishead) e Stephen O’Malley (Sunn O)))).
Apesar das companhias progressistas, o resultado não soa extremo ou desafiador. Mesmo assim, “We dissolve” mantém uma aura de mistério e sensualidade em torno de Chrysta, que parece cantar envolvida por uma bruma. Salvo uma ou outra descarga de eletricidade (“Planet wilde” e “Beautiful”), o disco avança placidamente nos ouvidos, trazendo lembranças de Beth Gibbons e Lana Del Rey, e ocasionalmente tocando em regiões estranhas (“Devil inside me”, “Over me”), como se emanasse de um cabaré na sala vermelha de “Twin peaks”. Perfeito também para ouvir na estrada, ao volante de um carrão. Funerário, claro.
(Foto de divulgação/David Lynch)