Os lindos sonhos delirantes de Chaz Bundick (Toro Y Moi) e do Praia Futuro

Bundick (de chapéu) e os irmãos Mattson: parceiros de viagem no psicodélico álbum “Star stuff”
Quando bombas começam a explodir por toda a parte, uma saída é usar a música como passaporte para outro lugar- de preferência, com bons fones de ouvido. Área de escapismo desde os turbulentos anos 60, quando floresceu, o som psicodélico segue aberto para a visitação – e notas de alívio – nos sombrios EUA de Trump e Brasil de Temer com os lançamentos de “Star stuff” e “Praia futuro”. O primeiro reúne Chaz Bundick (vulgo Toro Y Moi) com a dupla The Mattson 2. O segundo coloca na mesma rede Fernando Catatau, Kalil (do Cidadão Instigado), Dengue (Nação Zumbi) e o multifacetado Ilhan Ersahin, saxofonista, produtor e dono de gravadora. Nos dois álbuns, saltam aos ouvidos os impulsos de transcendência rumo a lindos sonhos delirantes.
Acho que viajei um pouco, mas vem ao caso.
Assinado como Chaz Bundick meets The Mattson 2, “Star stuff” pega carona na expressão popularizada pelo astrônomo Carl Sagan (“poeira das estrelas) para brincar de esconde-esconde numa nebulosa musical. O disco consolida a união entre Bundick, despido da persona Toro Y Moi (com a qual assinou uma penca de ensolarados álbuns de soul/house), com a dupla de gêmeos idênticos Jared (guitarra) e Jonathan Mattson (bateria), craques do jazz rock instrumental. Um encontro que começou em 2014 quando os Mattson (que tocaram no Brasil em 2011) foram fazer um show em Oakland, Califórnia, e Jonathan esqueceu parte do seu kit em casa. Alguém lembrou de Bundkick, que mora nas redondezas e poderia emprestar as peças. No dia seguinte, ao encontrar com os Mattson num café para pegar o equipamento de volta, rolou um clima. “Quando começamos a conversar sobre os sons que gostávamos, descobrimos muitas coisas em comum. Depois, quando vi os dois tocando, chapei porque são virtuosos. Daí em diante, foi só arrumarmos tempo num estúdio”, contou Bundkick, em entrevista ao Consequence of Sound.

Kalil (esq), Ilhan Ersahin, Dengue e Catatau: clima hippie e improvisos no chapante Praia Futuro
No Praia Futuro, que tem o mesmo nome do álbum, lançado pela gravadora independente Nublu Records, a conexão foi, obviamente, outra. Iniciado de forma despretensiosa, durante um encontro entre Ersahin (sueco radicado em Nova York) e Dengue, após um show da Nação em NY em 2015, aquele papo de “temos que fazer algo juntos etc” foi, aos poucos, ganhando forma, enquanto iam pingando os integrantes no projeto.
– Inicialmente, o Pupilo, da Nação, ia tocar bateria – me diz Kalil. – Mas como ele estava enrolado com o disco da Céu e gravando com a Gal Costa, acabei assumindo esse instrumento, que toco desde os 11 anos. Depois, chamei o Catatau para o grupo. Testamos o som em algumas apresentações isoladas, vimos que deu liga e estávamos nos divertindo. Então acabamos ficando com essa formação mesmo.
“Star stuff” dá sequência à primeira colisão entre Bundick, ainda como Toro Y Moi, e os irmãos Mattson, registrada no álbum “Live from Trona” (2016), gravado ao vivo no deserto californiano e assumidamente inspirado no clássico doc “Live at Pompeei” (1972), do Pink Floyd, feito nas ruínas de Pompeia. Ao longo das oito faixas de “Star stuff” – essencialmente instrumentais, com um ou outro vocal de Bundick, caso da faixa-título -, o tom lembra mais o progressivo e a fusion setentistas do que a psicodelia em si (nessa área, o patrão recomenda mais o grupo Circles Around The Sun). Mesmo assim, é possível flutuar, alegremente, no embalo de faixas como “A search” e “Disco kid”, nais quais o sólido entrosamento dos Mattson suga Bundick para dentro da jam. “Nossa conexão musical é muito forte. Jogar Bundick no meio dela foi como nos dar um chão, que tornou tudo mais acessível”, falou Jared à “COS”.
Descrito, em seu release, como “um descendente espiritual de hippies e alternativos de Recife, Fortaleza e São Luiz nos anos 70, que adotaram um estilo de vida livre e criação artística despreocupada com os padrões da época”, o Praia Futuro teve seu disco de estreia gravado, paradoxalmente, na correria dos tempos atuais, no estúdio de Kalil, em Fortaleza.
– Ninguém tinha muito tempo, então foi tudo meio corrido mesmo – admite Kalil. – O Ilhan, por exemplo, veio direto do aeroporto pro estúdio gravar.
Mesmo assim, o grupo conseguiu desacelerar e impor o seu próprio ritmo ao trabalho. Nas oito faixas instrumentais do disco, pode-se ouvir ecos dos primórdios de Alceu Valença, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo, além, claro, do próprio Cidadão Instigado. Mais que isso: temas como “Black cat”, “Massive” e “After surf” – cruas, densas e chapantes – fazem pensar numa espécie de stoner rock tropical.
– Algumas músicas a gente já tinha um desenho, mas outras nasceram em clima de jam mesmo. O processo de gravação foi bem old school, com todo mundo tocando na mesma sala, os sons dos instrumentos vazando uns nos outros – conta Kalil. – Não buscamos propositadamente um clima hippie. Se ele apareceu, foi porque tocamos de forma descompromissada. Mas achamos engraçado quando dois técnicos do estúdio, que são surfistas, ouviram as músicas e depois falaram pra gente: “que som viagem, parece o que a gente escuta depois de pegar onda”. Por isso, demos o nome de uma das músicas de “After surf”.
(Fotos de divulgação)