Gregg Allman (1947-2017), deus do rock, também conhecido como Coyotus Maximus

Inspiração para o filme “Quase famosos”, Gregg Allman, fundador do Allman Brothers Band, morreu sábado, aos 69 anos
Gregg Allman queria ser dentista. Mas não seria com um motor que ele deixaria as pessoas de boca aberta. Voz, teclados e alma (soul!) do grupo que levava seu sobrenome, o The Allman Brothers Band, ele descansou “tranquilamente” – como informou nota do seu empresário – neste sábado, aos 69 anos. O “andarilho” deixa viúva, cinco filhos, três netos e uma história que parece cruzar, toda sublinhada em vermelho, o roteiro de “Quase famosos”, do jornalista musical transformado em diretor Cameron Crowe. Parece mesmo: em sua autobiografia, “My cross to bear”, de 2012, Allman confirma que o tempo que Crowe passou acompanhando a banda nos anos 70, para uma reportagem da “Rolling Stone”, foi a maior inspiração para o filme.
Como os Rolling Stones e o Led Zeppelin, o Allman Brothers Band simbolizou o desbunde e os excessos vividos naquela década, quando o rock começou a se tornar um negócio milionário e as bandas trocaram os ônibus de excursão por aviões particulares, no caminho de estádios e arenas lotados. E Allman – um bonitão de longos cabelos dourados e voz bluseira – sempre pareceu a figura perfeita para protagonizar aquela grande aventura rock and roll. No caso dele, com contornos dramáticos desde a primeira cena, registrada em sua cidade natal: Allman era filho de um combatente da II Guerra Mundial, que sobreviveu ao desembarque nas areias da Normandia, para terminar morto, com um tiro nas costas, por um ladrão a quem deu carona na saída de um bar em Nashville.
Com o irmão, Duane, criou o grupo que definiria o chamado southern rock – que unia, sem a segregação típica daquela região, soul, blues e country – e também se tornaria referência para inúmeras jam bands, graças às apresentações enriquecidas por longos improvisos instrumentais, com inevitável destaque para o órgão Hammond tocado por Gregg. Exemplar disso, “At Fillmore East”, de 1971, é considerado um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos. Escutar faixas daquele álbum, como “In memory of Elizabeth Reed” e “Whipping post”, é, ainda hoje, inspirador e educacional, principalmente para recém-convertidos ao som de Tame Impala e Boogarins.
A morte de Duane, fenomenal guitarrista, naquele mesmo ano, num acidente de moto, aos 24, foi um baque para o irmão Allman, assim como a morte do baixista original da banda, Berry Oakley, num acidente parecido, no ano seguinte, na mesma estrada, também aos 24. Mas o show continuou. E continuou com tudo incluído. Em “My cross to bear”, Allman descreve ambientes que só uma versão proibidona de “Quase famosos” reproduziria, repleta de orgias e consumo sem restrições de substâncias ilícitas. Conta também a história do empresário do grupo, que listava, durante as turnês, a idade legal em cada cidade, para evitar maiores problemas com as “foxy ladies” que chegavam chegando, principalmente em Gregg. Desse período, vem o apelido, Coyotus Maximus, correspondente ao seu apetite sexual.
Na fase pós-Duane, o ABB – cujos integrantes tinham, todos, a tatuagem de um cogumelo no corpo – lançou outros dois discos fundamentais para qualquer discoteca básica: “Eat a peach” (1972) e “Brothers and sisters” (do hit das FMs, “Ramblin´ man”). A casa recomenda também o disco solo, “Laid back” (1973), para você se sentir no lado selvagem de “That´70s show”.

Ao lado de Cher, com quem foi casado nos anos 70 e teve um filho, Elijah. “Tempos divertidos e loucos”, lembrou ela
Viciado em heroína, Gregg Allman seria a anti-estrela de uma lamentável cena posterior, ao testemunhar contra um antigo gerente de palco do Allman Brothers para se livrar da prisão (conseguiu e o gerente foi preso). De sua errante vida amorosa, o momento mais lembrado foi o turbulento casamento com Cher, entre 1975 e 1977. Os dois chegaram a gravar um inexpressivo disco juntos, “Two the hard way”, e tiveram um filho, Elijah Blue Allman, hoje um bebezão de 40 aninhos. “Só consigo pensar nos nossos tempos divertidos e loucos, meu querido amigo”, disse a cantora, domingo, via Twitter, ao saber da morte do ex-companheiro. Do relacionamento com a heroína, o único saldo foi uma hepatite-C, contraída, provavelmente, como admite na autobiografia, pelo uso de seringas compartilhadas (ele lutava também contra um câncer no fígado).
Esses tempos “divertidos e loucos” iam virar um filme, apropriadamente intitulado “Midnight rider”, um dos primeiros hits do Allman Brothers Band. Mas o drama, que sempre fez parte da saga da família, não poderia ficar de fora. Em fevereiro de 2014, no primeiro dia das filmagens, numa tomada não autorizada numa ferrovia em cima de uma ponte, na Georgia, uma assistente de câmera foi atropelada e morta por um trem. O diretor Randall Miller foi processado e o filme – que teria William Hurt no papel principal – acabou sendo cancelado. Talvez ele não fosse mesmo necessário, como insinuou Gregg no livro: “Se eu cair morto um dia desses, tudo bem, já tive uma vida e tanto”.
(Fotos de divulgação)