O jamaicano Still Cool vem ao Brasil e renova seu hino contra a pobreza

Still Cool no estúdio regravando “To be poor is a crime: “Não há paz de espírito que resista a um prato vazio”, diz

Numa reportagem do ano passado, intitulada “Is it a crime to be poor?”, Nicholas Kristof, do “The New York Times”, mostrava como uma distorção do sistema carcerário norte-americano ainda permitia que pessoas fossem presas por não conseguirem pagar multas e taxas (com juros) devidas ao governo. Em geral, eram dívidas relacionadas a pequenos delitos, como até mesmo um emplacamento de carro atrasado. “Na teoria, a Suprema Corte diz que as pessoas só podem ser presas caso se recusem a pagar tais débitos, não quando não conseguem. Na prática, porém, as pessoas pobres são presas regularmente porque são pobres”, escreveu Kristof, que aparentemente precisa conhecer as prisões do Brasil.

Se fosse um filme, nessa hora entrariam os créditos e a música “To be poor is a crime”. Composta pelo grupo jamaicano Still Cool em 1979, popularizada pelo cantor Freddie McGregor em 1991 e prestes a ganhar uma nova versão, assinada pelo Digitaldubs, ela se mostra dolorosamente atual, capaz de se encaixar, com perfeição, na realidade descrita pelo “NYT” ou em qualquer outra do vasto mundo neoliberal. “Que Jah me ajude/Querem me botar para baixo/É duro ficar por perto (…)O patrão quer ser cada vez mais forte/Enquanto o pobre sofre e é escravizado”, diz a letra, de inspiração rasta, que também se encaixa como Lego nas seguidas ações do governo golpista de Michael Temer.

– Escrevi essa música pensando na Jamaica dos anos 80, mas infelizmente ela continua atual já que a miséria e a injustiça estão por toda a parte, tornando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres – conta, por telefone, Joseph “Blue” Grant, também conhecido como Still Cool, sinônimo do grupo que fundou nos anos 70 e que sempre girou em torno de sua figura. – Não há paz de espírito que resista a uma situação dessas, que resista a um prato vazio.

Inicialmente um quarteto vocal, o Still Cool transitou por aquela década sem chamar muita atenção, sempre aparecendo em eventos do grupo religioso The Twelve Tribes of Israel (que teve Bob Marley como seu mais notório seguidor). No começo dos anos 80, o grupo conquistou as ruas com “To be poor is a crime”, popular entre os sound-systems jamaicanos e que se tornaria seu maior e único hit. Regravada por Freddie McGregor mais de uma década depois, a música virou, enfim, um sucesso radiofônico na Inglaterra e no resto da Europa. Logo depois, Grant se mudou para a Alemanha, em busca de outras oportunidades, mas nunca mais repetiu aquela performance.

– O mundo do reggae é muito competitivo, há muitos talentos por aí. Não me importo de ter atingido o alvo apenas uma vez. Pelo menos, foi com uma canção poderosa, que atravessou os tempos – conta Grant, que segue gravando e excursionando.

De passagem pelo Brasil para acompanhar as Olimpíadas, ele decidiu ficar mais um pouco no Rio “para curtir os sons e a luz dessa cidade”. Em contato com o DJ e produtor Marcus MPC, acabou visitando o estúdio do Digitaldubs, na Zona Sul do Rio, onde acabou regravando, pela primeira vez, sua célebre canção.

– Não foi nada muito planejado. Ele chegou no estúdio e ficamos somente batendo papo. Até que uma hora eu perguntei se ele queria gravar alguma coisa. Como a resposta foi afirmativa, sugeri “To be poor is a crime”, cuja base eu já tinha pronta, e ele concordou de imediato – conta o produtor sobre a nova versão, que ainda não tem data de lançamento, mas, infelizmente, não vai ficar datada tão cedo.

(Foto de divulgação)