Pegando carona com The Orb e Marielle V. Jakobsons na cauda do cometa

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Marielle V. Jakobsons: a artista “intermídia” da Califórnia, que cria instrumentos que parecem instalações e sente as pedras

Ambient é um bairro da Grande Cidade da Música. Fica bem próximo de New Age, por isso muita gente se confunde e se perde no caminho. Não há como culpá-los. A região é mesmo muito parecida, com algumas avenidas em comum atravessando os dois locais. Mais antiga e mais rica (há quem diga cafona), New Age é repleta de spas e muros com desenhos de pirâmides, pôr do sol e golfinhos. O cheiro de incenso está por toda a parte. É onde moram Kitaro, Yanni e Andreas Vollenweider. Enya tem uma casa de verão ali que visita sempre.

Um pouco menor e de perfil alternativo, Ambient tem muito verde cercando casas feitas com madeira reciclada. Há diversos cafés com produtos orgânicos (na televisão sempre passa “Arquivo X”, afinal, a verdade…) e lojas que vendem maconha legalizada. Brian Eno (primeiro a chegar) e o pessoal do Tangerine Dream já moraram por ali. Quem vive na área é Bill Laswell, William Basinski, KLF, o pessoal do The Orb e Marielle V. Jakobsons. E os dois últimos têm novidades nas ruas: os álbuns “Cow/Chill out word” e “Star core”, respectivamente.

Veterano do ambient, o britânico The Orb segue girando em torno do mago Alex Paterson, cabeça por trás de clássicos que chaparam muita gente nos anos 90, como “Little fluffy clouds” (com sampler de uma célebre fala de Rickie Lee Jones sobre as nuvens de sua cidade natal) e, respira, “A huge ever growing pulsating brain that rules from the center of the ultraworld” (com sampler de Minnie Riperton na baladaça-aça-aça “Lovin´you”). Sua fórmula é conhecida: batidas desaceleradas (que geraram o termo ambient house), cascatas de sintetizadores e criativos efeitos especiais, tudo servido com um delicioso molho dub, sob inspiração progressiva (não por acaso, o The Orb já gravou com David Gilmour e com Lee Perry). O som perfeito para dissolver no sofá depois de uma noite intensa, sem perder imediatamente o rebolado. Só tenha cuidado com o teletubbie dormindo no chão.

Criado em cerca de seis meses, “Cow/Chill out word” sucede “Moonbuilding 2703 AD”, lançado ano passado. E sucede fazendo o The Orb (atualmente formado por Paterson e Thomas Fehlmann) voltar às suas bases, em um álbum quase sem batidas, assumidamente ambient (como deixa claro o título). A arrojada arquitetura musical, porém, é a mesma de sempre, como mostram faixas como “5th dimensions”, “Sex” e “7 oaks”, repletas de detalhes que se descortinam (e encantam) a cada nova audição. É música ao mesmo tempo “calmante e reflexiva”, como profetizou Eno no encarte do seminal álbum “Ambient – Music for airports 1”, de 1978, definindo os parâmetros do gênero. E se você achar que está cercado de pássaros enquanto escuta “The 10 sultans of Rudyard”, fique frio: é apenas Paterson ironizando um dos maiores chavões tanto da música ambient quanto da new age.

Embora menos sarcástica e mais mística, Marielle V. Jakobsons circula no mesmo campo gravitacional do The Orb. “Star core” é o segundo e melhor álbum dessa artista de Oakland, Califórnia, de formação musical clássica e eletrônica, que também produz instalações, fotos e vídeos – muito justamente, ela se define como “intermídia”. No novo disco, Marielle – que costuma se apresentar tanto em palcos tradicionais, como em museus de ciência – desenha, suavemente, inusitados padrões musicais, produzindo assentamentos de sintetizadores, criando profundas linhas de baixo e tocando violino, seu instrumento de origem.

Suas melodias parecem vir de um pulsar distante, criando uma atmosfera de sonhos, que as viajandonas intervenções de sua voz ajudam a reforçar. “Penetre no Sol/Aguarde mais um dia/Suba para a Lua/Borde um novo caminho”, sussurra em “White sparks”, cujo vídeo foi feito com a ajuda de um instrumento que ela mesmo criou, o “Macro Cymatic”, que transforma sons em ondas de luz e água. Na capa e no encarte do disco, Marielle aparece deitada numa pedra, “sentindo” sua vibração e energia. Se você acha que isso é bicho-grilice demais, talvez você precise se soltar um pouco. E flutuar.

Cotações: quatro lava lamps.

(Para seguir pela Via-Lactea, estrada tão bonita, recomenda-se tomar também Date Palms, projeto de Marielle com o tecladista Gregg Kowalsky, e seu poeirento e psicodélico álbum, “The dust sessions”.)

(Foto de divulgação)