Derreta-se com os psicodélicos sons de Santiago do Chile
Localizado no bairro de Providencia, em Santiago, o centro comercial Costanera ocupa seis andares do prédio de mesmo nome, inaugurado em 2012, uma gigantesca torre de design arrojado, embalada por ferros e vidros, lembrando um foguete prestes a decolar. No alto dos seus 300 metros – é o maior arranha-céu da América Latina – a vista é espetacular, cercada pelos Andes e pela silhueta da capital chilena.
Mas o que pode causar vertigens, das boas, está lá embaixo, nas proximidades do Costanera. É o selo independente BYM Records, que ainda engatinhava na época da inauguração da torre, tentando alcançar as prateleiras das lojas de discos, com apenas três álbuns lançados. Quatro anos depois, com essa produção multiplicada, o BYM (de Blow Your Mind) ergue-se como um farol em meio à bruma psicodélica que tem envolvido o rock do país.
De lá para cá, o selo lançou outros 41 álbuns de um elenco de 21 artistas. Nenhum deles se alinha com os astros de pop latino e reggaeton que dominam as paradas de sucesso chilenas, com suas melodias e rimas adocicadas. O que se ouve nos trabalhos de grupos como Nueva Costa, La Hell Gang (foto), Follakzoid, Chicos de Nazca e Holydrug Couple, entre outros, é o som de uma geração de músicos com menos de 30 anos, que teve pouco contato com a brutal ditadura militar do general Augusto Pinochet (de 1973 a 1990) e hoje usa a distorção das guitarras – muitas vezes com técnicas de gravação dos rebeldes anos 60 – como forma de criar sua própria contracultura.
– Nasci em 1989, não vivi durante a ditadura, mas sabemos como a música foi sufocada naquele período – conta KB Cabala, guitarrista do La Hell Gang e também do Chicos de Nazca. – A psicodelia existe no Chile desde os anos 60, através de bandas como Vidrios Quebrados, Los Macs, Kissing Spell e Aguaturbia. O que há é uma retomada recente dessa tradição.
Tradição que alguns ligam à própria geografia do país, que abriga o deserto do Atacama, com seu céu estreladíssimo – não por acaso, ali foi construído o ALMA, a maior rede de telescópios do mundo – e cuja capital é cercada pela cordilheira dos Andes. “Você poderia dizer que há alguma coisa na água, mas são as estrelas que ajudam a entender a propensão do Chile por sons psicodélicos”, arriscou o jornal britânico “The Guardian”.
– A geografia, sem dúvida, é uma inspiração para a psicodelia chilena, dando à música esse caráter contemplativo – explica Angelo Santa Cruz, voz, guitarra e teclados do Nueva Costa, que lança em breve seu segundo álbum, ainda sem título, sucessor de “El gran espiritu”, de 2013. – De alguma forma, viver no Chile traz uma sensação de isolamento, que acaba se refletindo no modo como fazemos arte no BYM Records, com ironia e senso de humor próprios.
A vida dupla de Cabala e a forma plural como Santa Cruz se expressa refletem o modo de operação coletivo do selo. A sede do BYM Records, um casarão de dois andares na Providencia, distante alguns quarteirões do Costanera, serve como escritório e estúdio de ensaios e de gravações, repleto de equipamentos analógicos. Funciona também como pouso para os músicos que desejarem morar ali por um tempo, o que dá ao local um ar comunitário, neo-hippie. O entrelaçamento chega também às bandas, formadas muitas vezes por integrantes que transitam entre elas. Lenda do hardcore norte-americano, o cantor Henry Rollins esteve em Santiago em 2015, visitando a sede do BYM Records, e declarou ao jornal “LA Weekly” ter ficado “fascinado” com o que viu e ouviu por lá.
– Há sempre uma movimentação muito grande na casa, com gente ensaiando, gravando ou simplesmente relaxando num dos ambientes. Isso cria um clima de camaradagem, que facilita a interação entre as bandas do selo, já que somos todos amigos. É como se fosse uma grande família – conta Juan Pablo Rodríguez, baixista do Follakzoid e um dos criadores do BYM Records, ao lado de Ignacio “Nes” Rodriguez, baterista do La Hell Gang. – Desde o começo seguimos a máxima do “faça você mesmo”. Hoje todos no selo fazem um pouco de tudo: gravação, distribuição e promoção. E, claro, tocamos muito juntos.
Quase todos os lançamentos do BYM Records chegam às lojas acompanhados por edições em vinil, feitas pelo próprio selo, que adquiriu uma prensa há três anos. Parcerias com selos estrangeiros, como Sacred Bones, Mexican Summer e Vinyl Junkie, têm ajudado os artistas do BYM a ganhar exposição fora do país. O Holydrug Couple, por exemplo, fez turnê pela Europa em abril, apoiado pelo Sacred Bones. Com single novo lançado, “Thru me again”, o La Hell Gang percorre a mesma rota desde o começo deste mês.
– Essas parcerias no exterior têm ajudado muito, mas ainda somos subterrâneos no Chile – reflete Juan Pablo Rodríguez. – Por outro lado, isso deixa o processo criativo dos artistas do selo mais livre e menos contaminado. Há muitos tipos de música rolando no Chile. Estamos apenas escrevendo a história de um deles.
(Foto de divulgação)