A música de Iara Rennó está puxada

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Iara Rennó esticou sua música em “Arco”. Seu novo trabalho expande ideias e conceitos presentes em “Macunaíma Ópera Tupi”, que lançou em 2008, e também no livro de contos eróticos “Língua brasa carne flor”, que publicou ano passado, pela editora Patuá. Em formato de power-trio – Iara canta e toca guitarra, ao lado de Mariá Portugal (bateria e MPC) e Maria Beraldo Bastos (clarofone) – “Arco” (YB Music) vibra de forma cortante, com uma sonoridade curvilínea, progressiva e provocante, mirando em inquietações da alma feminina.

Aproveitando sua passagem pela cidade – tem show do disco hoje, às 21h, no Oi Futuro Ipanema, dentro do festival A.NOTA – Iara conversou comigo sobre “Arco” e seu yang, “Flecha”, lançado simultaneamente, mas com outra banda (incluindo Curumin e integrantes do Bixiga 70) e outra sonoridade (mais dançante, mais palatável).

O que levou a esse encontro com Mariá e Maria Beraldo em torno do projeto?

– Macunaíma é personagem quase mítico, um pilar na cultura genuinamente brasileira, que continua reverberando e de tempos em tempos reencarna em diversas formas. Do grande musical que montei no teatro Oficina em 2010 com elenco de 22 pessoas, “Macunaíma Ópera Baile, à aula-show, onde atuo sozinha, o projeto já teve formações variadas. Macuna é um show de releitura do repertório do meu disco “Macunaíma Ópera Tupi”, com as incríveis instrumentistas Maria e Mariá. Ele começou a rolar a partir de 2014, através de convites que surgem de eventos e datas comemorativas em torno de Mário de Andrade e da obra original, “Macunaíma – o Herói sem Nenhum Caráter”.

Como “Macunaima” virou ou, melhor, inspirou “Arco”? Que tipo de filtro o disco anterior , feito com diversas colaborações, passou para gerar esse novo, feito por um trio?

– Esse female power trio soou de modo singular e impactante desde o início. Tem o que Itamar Assumpção chamaria de linguagem musical. O show Macuna aconteceu em diversas situações e foi também se transformando, ganhando músicas do disco “Iara”, de 2011, e inéditas, por exemplo “Mama-me”, que veio após o lançamento do livro (Língua Brasa Carne Flor). Minha discografia solo, entre aspas, se inicia com o “Macunaíma Ópera Tupi”, que tem elenco com mais de 50 colaboradores entre músicos e produtores. Mas no final de 2013, “Iara”, produzido por Moreno Veloso, já se apresenta como disco de banda, com o trio formado por mim, Leo Monteiro e Ricardo Dias Gomes. O Macuna juntou a formação trio com o repertório de “Ópera Tupi”. E a partir da sonoridade desse trio e deste eu lírico e físico feminino surge “Arco”, uma espécie de oposto complementar do que viria a ser “Flecha”.

Do vídeo de “Mama-me” à formação só com mulheres, passando pelas letras, é possível dizer que “Arco” é um disco político em torno da figura feminina?

– Em contraposição à objetividade de “Flecha”, “Arco” tem um discurso mais subjetivo. Como eu me identifico com o gênero feminino, essa poética surge pelo viés desse universo. Podemos dizer que é um discurso pós-transfeminista: é sobretudo sobre a liberdade além-gênero para o indivíduo, sobre a força e a beleza, a dor e a delícia de ser artista independente, mulher euronegrameríndia, num país de maioria machista, misógina, elitista e racista.

Como “Arco” e “Flecha” se separam e se completam? São audições independentes ou complementares?

– Assim como irmãos gêmeos, os discos podem ser totalmente independentes. Tem gente que gosta mais de um, ou se identifica mais com o outro, gente que vai curtir mais o “Arco” agora, mas vai descobrir o “Flecha” em alguns meses, ou anos, e vice-versa. Eles são dois unos e não duas metades. Mas eles foram paridos juntos e por isso se contrapõem e se completam. Juntos, conseguem dar uma visão mais ampliada sobre a minha produção atual e também criam links com as produções anteriores. E o que tenho visto como resultado é gratificante.

(Foto de divulgação/Chris Von Ameln)