
Deize Tigrona quer mostrar que ainda é o bicho
Deise Maria Gonçalves da Silva vira fera, vira Deize Tigrona ao ser lembrada que o funk, mais uma vez, se tornou vidraça em meio às pedras de preconceito atiradas contra a jovem de 16 anos, no tristemente notório caso de estupro coletivo no Rio (que já começa a sair dos “assuntos do momento”).
– Além de toda a maldade dos comentários machistas sobre essa menina, ainda sobra, como sempre, pro funk – diz ela. – Parece que só o funk fala de sacanagem, só o funk fala de putaria. Mas vai ver as letras da Rihanna, que todo mundo gosta, inclusive eu. São sobre o quê? Anjinhos? Não, são sobre sexo, sobre sacanagem. Mas não é em português, não tem legenda, então tá tudo bem, né?
Uma das primeiras vozes femininas do machão mundo do funk, Deize está de volta ao seu habitat, após um recesso de cinco anos, com “Madame”, fogosa música de sexo, drogas leves e batidão (“Já pensou sem a cerveja e sem a maconha o que seria do mundo?/Já pensou o que seria desses machos sem a boca de veludo?/Já pensou o funk sem putaria?/O que a madame ia fazer?”).
– Fiz essa letra depois que fui provocada por um garoto, há um tempo, num debate sobre o Rio Parada Funk. Ele disse que eu estava fora da mídia. E estava mesmo, mas por um forte motivo pessoal, que ele nem tinha ideia. Aquilo me irritou tanto que acabou servindo de motivação, sabe?
O “forte motivo pessoal” a que Deize se refere foi uma depressão, surgida há cerca de três anos, em meio à luta pela guarda do sobrinho, abandonado pela irmã, dependente química.
– O lance bateu quando eu tava pra embarcar, prum show em Recife. Não consegui entrar no avião, só queria ir pra casa. Foi um período complicado, brabo, tive que tomar remédio, mas acho que superei tudo – lembra ela, que aponta o show no festival Vaca Amarela de 2015, em Goiânia, como um marco dessa superação. – Ali eu vi que tava melhor e que podia seguir em frente com minha carreira.
E seguiu, com a ajuda do produtor gaúcho Chernobyl, da Comunidade Nin-Jitsu, que desenhou “Madame”, um funk grosso calibre, lançado pelo selo Funk na Caixa, em parceria com o coletivo Heavy Baile, do DJ e produtor Leo Justi. São novos nomes a engrossar o currículo da MC, que já trabalhou com Diplo, Buraka Som Sistema, Edu K e Jaloo, desde que entrou em cena, há mais de uma década.
– Até outro dia, minha filha, que tem 13 anos, achava que eu tava zoando quando dizia que tinha trabalhado com o Diplo.
Moradora da Cidade de Deus, Deize trabalha como gari nas ruas do Rio enquanto sonha ver a carreira esquentar novamente. Isso num momento em que cantoras oriundas do funk, como Anitta e Ludmilla, flertam com o estrelato, e novos nomes, como MC Carol, avançam no terreno feminista semeado por ela.
– Eu nunca tive gravadora forte, patrocínio, megaproduções, nada. Só alguns grandes amigos me ajudando. E também nunca maquiei minha música, nem vou maquiar agora. Sou eu mesma e quero ser reconhecida assim – garante. – Mas fico feliz vendo esse meninas mostrando que MC de funk também sabe cantar e se expressar. É um luxo, uma sensação muito boa ver o talento delas reconhecido.
(Foto de John Woo/Apavoramento)