O jazz flutuante de Bremer/McCoy

O jazz flutuante de Bremer/McCoy

A programação do festival Spot* – de música e cultura nórdica, realizado em Aarhus, na Dinamarca – diz que o show da jovem dupla Bremer/McCoy vai acontecer às 12h30m, no palco GoBoat. O mapa dá as coordenadas e lá vou eu atrás dele, em meio ao evento de dois dias, com 200 concertos – na verdade, apresentações entre 30 minutos e 1h, espalhados por toda a cidade (a segunda maior do país e a capital da cultura da Europa em 2017). O GoBoat fica, supostamente, perto do Spot Royal e de outras duas áreas onde as apresentações acontecem ao ar livre. É sábado e há muita gente circulando pelas ruas. Mas são 12h31m e não encontro nem o palco, nem a banda.

Passo batido pelo Spot Royal e sigo junto com o canal que atravessa a região. Acabo parando na Dokk1, belíssima biblioteca da cidade. Definitivamente, não é ali. Volto pelo canal. Pergunto e me dizem que deve ser por perto, em algum lugar, segundo o mapa. Começo a achar que vou perder o show. Mas aí escuto uma nota distante ao piano. Depois outra e mais outra. Reconheço o som e vou me guiando por ele até, enfim, encontrar Bremer/McCoy.

O tal GoBoat nada mais é que um palco improvisado em cima de um…bote, claro. E Bremer (baixo acústico) e McCoy (piano elétrico) estão tocando em cima dele. As notas de McCoy, que tinha ouvido de longe, soam límpidas e cristalinas de perto, tocadas como notável delicadeza, precisamente combinadas com as linhas de baixo de Bremer, de texturas reggae. Improvável mistura de jazz e dub (McCoy comanda os efeitos, numa pequena controladora ao lado do seu instrumento), o som é espaçoso, calmante, com um balanço doce e narcótico. Após cerca de 40 minutos, durante o qual a dupla passeia pelas músicas do seu primeiro e único álbum, “Ordet”, de 2015, o show é encerrado, sem nenhuma palavra, e Bremer e McCoy saem de cena, aplaudidos, flutuando no bote, que segue, suavemente, pelo canal.

– Ainda bem que não estava ventando e as águas não estavam batidas – diz (Jonathan) Bremer, algumas horas depois, num restaurante no centro da cidade.

Bremer tem 25 anos e é fã de Jaco Pastorius e de Robbie Shakespeare. (Morten) McCoy, sentado ao meu lado, tem 24. São amigos de infância. Bremer é uma espécie de menino prodígio do instrumento, frequentando o ambiente de jazz de Copenhague desde os 17. McCoy também possui background de jazz, mas sua trilha foi outra, ligada ao ska e ao reggae. Acompanhando a banda de dancehall Klumben & Raske Penge, chegou a tocar no Brasil ano passado, em shows em São Paulo e Campinas, e numa festa no Rio, com o Digitaldubs.

– De certa forma, foi o gosto pelo reggae, junto com o jazz, que nos uniu – conta o pianista, fã de Bill Evans e Jackie Mittoo. – Mas nunca quisemos copiar fórmulas tanto do reggae como do jazz.

De fato, o jazz de Bremer/McCoy tem mais a ver com a vertente nórdica do gênero – pense em Jan Garbarek, Niels Lan Doky e Bugge Wesseltoft – do que com suas raízes afro-americanas.

– É uma espécie de melancolia, talvez típica de locais muito frios – arrisca McCoy. – Mas às vezes sentimos uma certa resistência ao nosso estilo por parte das alas mais tradicionais do jazz. Somos melhor recebidos quanto tocamos em um festival como o Roskilde, por exemplo, ou em eventos mais progressistas, como o festival eletrônico Strom e o próprio Spot.

(Foto de divulgação/Allan Hogholm)

* Viajei a convite da produtora PlusPlusPlus, com apoio do Ministério da Cultura Dinamarquesa.