A onda ruim do Narcosatanicos

A onda ruim do Narcosatanicos

São duas da manhã de domingo. Do lado de fora do Godsbanen, uma das áreas do festival Spot*, em Aarhus, na Dinamarca, o frio é cortante. Alexandre Rossi, o Rolinha, está encostado numa das paredes da sala Radar. Estou ao seu lado, também cansado da maratona de shows do dia, que começou cedo, e aguardamos a apresentação de encerramento do evento. Assim que um grupo de cabeludos, vestidos de preto, sobe ao palco, começa a ajeitar seus instrumentos, saxofone incluído, e as pessoas começam a gritar, sabemos que a hora, enfim, chegou. O culto ao Narcosatanicos – estrondosa banda de noise rock local – vai começar.

Ao longo de quase uma hora, a partir da soturna “Salt”, somos atropelados por uma avalanche de ruídos e microfonia. O peso e a distorção são reinantes, mas não tem fundo apenas metálico – krautrock, hardcore, free jazz e a psicodelia menos florida que você pode imaginar se unem na narcótica massa sonora criada pelo sexteto. É como se abrissem a porta do inferno – “pastor” Malafaia, pode tirar suas ovelhinhas da sala – e o bafo quente do Tinhoso se espalhasse pelo ar.

– Gostamos de Stooges, Swans, Can, The Lounge Lizards, Sun Ra, Amon Dull, Big Black. São tantos nomes – diz o guitarrista Tobias Holmbeck, alguns dias depois, num papo por email.

Formado em 2012, o Narcosatanicos – nome inspirado numa seita mexicana – circula em torno do que Holmbeck chama de “o lado menos celebrado da psicodelia”.

– Gostamos de muitas bandas tradicionais de rock psicodélico, mas nunca curtimos a visão meramente positiva que elas passam do uso de psicoativos. O que torna essas substâncias tão interessantes é justamente a sua imprevisibilidade, sua capacidade tanto de iluminar como de devastar a mente. E acho que a segunda opção é bem mais verdadeira. Nada contra flores, camisetas tye-dye, lâmpadas líquidas e todo aquele romantismo dos anos 60. Só acho que falta firmeza a isso tudo.

Em 2014, o Narcosatanicos soltou sua primeira brasa, através de um álbum homônimo, com oito incandescentes faixas. Em meio a elas, destaca-se a sonoridade absolutamente singular do saxofone de Zeki Jindyl, lutando para não ser soterrado pela zoeira ao seu redor.

– Tive que aprender a conviver com o volume alto, que pode limitar a dinâmica do instrumento – explica Jindyl. – Hoje já sei em que frequência ficar no meio do nosso som.

Em setembro, esse barulhento bebê de Rosemary ganha um irmãozinho, ainda sem título, pelo selo dinamarquês Bad Afro.

– Nosso primeiro álbum foi quase todo gravado ao vivo em estúdio, com a mesma densidade sônica de nossos shows. Esse próximo trabalho vai ser, digamos, mais complexo e orquestrado, incluindo alguns momentos calmos – adianta Holmbeck, que ouviu e curtiu o som castigante do grupo carioca Bemônio. – Achei bem atmosférico, bem interessante. Já tinha ouvido algumas coisas do selo Quintavant/QTV. Somos familiares.

(Foto de divulgação)

* Viajei a convite da produtora PlusPlusPlus, com apoio do Ministério da Cultura Dinamarquesa.