
No tapete mágico do Tinariwen
O primeiro “zalghouta” – um “lalalalalalala” bem agudo – partiu de alguém na mesa de som, assim que começou o show do Tinariwen, na Fundição Progresso, por volta da meia noite de um quente e abafado sábado. Aos poucos, os tradicionais gritos árabes de celebração começaram a se espalhar pelo local e ficaram ecoando ao longo da apresentação do grupo tuareg, formado entre o Mali e a Argélia, em sua segunda visita à cidade, depois de uma memorável passagem por aqui em 2011, no festival Back2Black (que o trouxe novamente este ano, para uma relampejante edição especial).
A falta dos famigerados “u-hus” já mostrava que a noite teria um clima diferente, mais de culto do que de festa, mais de encanto do que de êxtase. A configuração do palco também ajudou. Em vez da área principal da Fundição, ele foi montado no segundo andar da casa, em formato quase circular, permitindo que as pessoas rodeassem os músicos – com seus turbantes, batas coloridas e sandálias – dando um clima mais intimista ao show.
Na “praça” do Tinariwen, as sinuosas interações entre guitarras, violão, baixo e percussão – que já deram ao nômade grupo o curioso apelido de “Led Zeppelin da África” – foram, progressivamente, envolvendo a platéia como uma brisa vinda do deserto. Cada nova música – “Koudedazamin”, “Chaghaybou”, “Toumast tincha”, todas recheadas por longos trechos instrumentais – parecia intensificar o transe coletivo. Ao meu lado, uma mulher, dançando de olhos fechados, ondulava seu corpo de borracha em posições impossíveis.
Quando a areia acabou de passar pela ampulheta, cerca de 1h15m depois, ao som da mântrica “Tiwayen”, a sensação era que estávamos bem longe da Lapa, a caravana do delírio sobrevoando dunas distantes em cima de um tapete mágico. Pelo sim, pelo não, segunda-feira acho que vou apostar no camelo.
Cotação: Pra lá de Marrakesh
(Foto de Joca Vidal, vídeo por La Cumbuca)