
Timmy Thomas é um gene
Relançado em vinil semana passada, “Why can’t we live together” nasceu em 1972 como hit único do soulman norte-americano Timmy Thomas. Usada como tapete de luxo para Drake no seu atual sucesso, “Hot bling”, a música segue comprovando uma equação rara na matemática do pop: aquela do “one hit” que não para de se atualizar e se multiplicar. Seu gene, nada egoísta, já tinha sido incorporado antes pela suave Sade e pelo calça larga MC Hammer, já tinha sido disco com o Illusion e salsa com a Fania All Stars. E por conta de sua letra – um simples, mas comovente apelo por paz e união racial – ganhou um roteiro que faz lembrar aquele do premiado documentário “Searching for Sugar Man”.
Um dos grooves mais elegantes e sensuais já produzidos desde o levante do Homo erectus – construído a partir da voz de Thomas, do seu malvado órgão Hammond e de uma bateria eletrônica primária programada por ele mesmo – “Why can’t we live together” (que finaliza essa mixtape aqui) é um sucesso de mil e uma vidas. Em 1973, vendeu dois milhões de cópias em todo o mundo (no Brasil, foi lançada pela gravadora Top Tape) e chegou ao terceiro lugar da parada da “Billboard”. Mais de 40 anos depois, rendeu ao rapper dois milhões de cópias vendidas, só nos EUA, um segundo lugar na parada da “Billboard” e um bom número de memes por causa do seu vídeo, com aquelas danças engraçadinhas. Entre uma e outra, o esforço solo de Thomas foi gravado ou sampleado por Stevie Winwood, Jimmy Smith, Santana, Gwen McRae, 3rd Bass, Sidney Youngblood , Erykah Badu (numa divina re-re-interpretação de “Hot bling”) e até pelos San Papas, um grupo oriundo da Jovem Guarda.
Composta sob o impacto da Guerra do Vietnã, após Thomas ver o noticiário apresentado pelo lendário âncora Walter Cronkite, da CBS, relatando a morte tanto de vietnamitas como de norte-americanos, “Why can’t we live together” rodou o mundo até chegar à África do Sul. Inicialmente banida das rádios, ela acabou virando tema da resistência ao apartheid e depois hino da triunfante chegada de Nelson Mandela à presidência do país em 1994, encerrando os sombrios anos do regime racista. Nos festejos da posse, Thomas ouviu um estádio de futebol lotado por 200 mil pessoas cantar a letra. “Eu mal conseguia acreditar naquilo”, recordou ele, hoje com 71 anos, em entrevista à revista “Spin”. Nela, aprovou a versão de Drake, mesmo com a letra militante trocada pela rima de um amante abandonado, choroso pela ex que não liga para seu celular. Afinal, apesar das diferenças, por que elas não poderiam conviver?
(Aproveitando o joguinho de palavras, fiz uma playlist no Spotify com algumas das versões da música, intitulada “Why can´t we listen together”)